Resumo

Embora ainda pouco difundida em Portugal, a Ótica Médica é uma das áreas de investigação clínica com maior investimento a nível financeiro e de recursos humanos a nível mundial. Os progressos desta ciência nos últimos 20 anos têm sido espantosos, estando neste momento a iniciar-se a migração da investigação laboratorial e com tecidos ex vivo para a aplicação na prática clínica e de forma não invasiva in vivo.
De entre os vários métodos óticos de diagnóstico, a espectroscopia é uma das técnicas mais conhecidas e que permite executar procedimentos não invasivos diretamente numa situação in vivo. A investigação no campo da espectroscopia de tecidos biológicos tem sido bastante intensa nos últimos anos, tendo-se já adquirido os espectros das diferentes propriedades óticas para um elevado número de tecidos, incluindo versões saudáveis e patológicas para certos casos.
Para além de caracterizar a identidade ótica dos diferentes tecidos com tais espetros, a técnica de espectroscopia tem também permitido avaliar outras propriedades relacionadas com o diagnóstico e o tratamento de tecidos. Um exemplo muito promissor é a criação de efeitos reversíveis de transparência nos tecidos, que permitem realizar diagnóstico e tratamento de patologias localizadas a grandes profundidades de forma não invasiva e sem recurso a radiação ionizante. Tais tratamentos criam transparência nos tecidos por troca da água intersticial por agentes inócuos como a glicerina ou a sacarose, reduzindo drasticamente (ou mesmo totalmente) o forte espalhamento da luz que é característico dos tecidos. Usando espetroscopia em combinação com estes tratamentos é possível não só caracterizá-los, como também obter parâmetros de diagnóstico. São disso exemplos, o coeficiente de difusão dos agentes de transparência e o conteúdo de água móvel nos tecidos, parâmetros que são discriminados entre tecido saudável e tecido com cancro.
Um outro estudo feito durante tais tratamentos de transparência permitiu a descoberta de janelas de transparência na zona do ultravioleta, que sendo mais eficientes do que a transparência criada na zona espectral do visível e do infravermelho, permitirão uma utilização mais eficaz da luz ultravioleta para procedimentos de diagnóstico e curativos. Esta descoberta valeu recentemente ao nosso grupo uma patente em Portugal e outra na Rússia.
Sabe-se da literatura que para que os tumores cancerígenos evoluam, estes necessitam de um suprimento de sangue, de proteínas e de lípidos superior aos tecidos saudáveis. Recentemente, o nosso grupo no CIETI verificou que existe também uma acumulação superior de um pigmento designado por lipofuscina nos tecidos com cancro; algo que nunca tinha sido detetado antes.
Embora esta investigação esteja ainda a dar os primeiros passos, é nosso objetivo realizar estudos para avaliar o conteúdo destes componentes biológicos em diferentes estados de evolução dos tumores de cancro para permitir estabelecer uma relação matemática que permita não só diagnosticar, mas também monitorizar o estado de evolução da doença in vivo. Esperamos que como resultado final desta investigação e com a combinação com exames de rastreio, seja possível aplicar a espetroscopia para a identificação de um diagnóstico precoce do cancro, o que permitirá salvar vidas.

CV - Luís Oliveira

Luís Oliveira é licenciado em Física (ramo de Optoelectrónica e Lasers) pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Obteve os graus de Mestre e de Doutor em Engenharia Biomédica pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.
É actualmente Professor Adjunto no Departamento de Física do ISEP e investigador no Centro de Inovação em Engenharia e Tecnologia Industrial (CIETI). Desde 2002 que se dedica à investigação na área da Óptica Média, tendo publicado um livro e vários artigos em revistas da especialidade. Em 2010 teve um artigo distinguido pelo American Institute of Physics e pela American Physical Society, sendo considerado um dos melhores trabalhos publicados nesse ano na disciplina de Óptica Médica. Tal trabalho apresentou os resultados de um estudo de criação de efeitos de transparência em tecido músculo-esquelético e foi o percursor da investigação da sua tese de doutoramento. Já no início de Maio de 2015 publicou um outro artigo no Journal of Biomedical Optics sobre o estudo da difusão de etilenoglicol e de glucose em tecido muscular, demonstrando experimentalmente que é possível avaliar com técnicas óticas as propriedades de difusão de químicos em tecidos biológicos. Este artigo foi distinguido pelo website Pubmed Update como um dos 20 melhores artigos do ano de 2015. Mais recentemente, como resultado da sua investigação, descobriu a criação de janelas de transparência em tecidos biológicos na zona do ultravioleta que permitirão criar novos protocolos de diagnóstico e de tratamento de patologias. Facto que lhe valeu a atribuição de uma patente em Portugal e outra na Rússia. Ainda com estudos feitos com tecidos coloretais, descobriu recentemente a acumulação diferenciada de um pigmento em tecidos normais e com cancro. Tais estudos estão ainda em curso para verificar se o conteúdo deste pigmento permite monitorizar a evolução do cancro e levar à sua deteção precoce.

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